Entrevista à Professora Rute Saraiva

O que caracteriza um aluno NEE? Quais as suas necessidades? Quais os seus direitos?

Ainda que inexistindo, até ao momento, um diploma legal geral sobre estudantes com necessidades educativas especiais (E-NEE) no Ensino Superior, vem-se entendendo como E-NEE os estudantes com deficiências ou incapacidades consideradas em termos médicos como perturbações orgânicas, atribuíveis a patologias orgânicas, por exemplo, associadas a deficiências sensoriais, motoras, intelectuais ou neurológicas e estudantes com perturbações comportamentais ou emocionais ou com dificuldades de aprendizagem específicas.

Face à heterogeneidade das pessoas com deficiência e, em consequência, do E-NEE, as necessidades especiais são múltiplas, variando de indivíduo para indivíduo, desde acessibilidades a adaptações curriculares.

Os E-NEE são antes de mais pessoas e como tal beneficiam dos mesmos direitos (e deveres) de todos, devendo estes ser necessariamente adaptados adequada e proporcionalmente às suas capacidades, garantindo igualdade de oportunidades. Assim, algumas das especificidades do seu estatuto, designadamente em termos de contingente especial de acesso ao Ensino Superior ou ajustes em termos de avaliação (ex. tempo extra, substituição do tipo de prova) não devem ser encarados como uma caridade ou benevolência, mas sim como uma garantia de level playing field na medida da deficiência.

Quantos alunos NEE existem na Faculdade? Tipos de NEE? 

Os dados de 2018 indicam 18 E-NEEs inscritos na FDUL, apresentando necessidades diferenciadas. De salientar que a FDUL conta também, em final de 2018, com 1 docente e 5 funcionários com deficiência.

Como identificar o aluno NEE?

A identificação mais fácil começa nos serviços da Divisão Académica, no acto de inscrição e matrícula, quando o E-NEE surge no âmbito do contingente especial E-NEE ou quando apresenta justificação médica para requisição do estatuto E-NEE.

Mais complicada é, porém, a identificação de E-NEE que não beneficiam deste contingente ou não se apresentam à partida como E-NEE, umas vezes para evitar estigmatização, outras por desconhecimento de um estatuto especial. Ademais, há alunos que manifestam ou desenvolvem incapacidades (ex. oncológicas, psiquiátricas) durante a sua frequência da FDUL e cujo reconhecimento nem sempre é fácil, até por um processo de negação.

Assim, muita da tarefa de identificação prende-se com um trabalho de relacionamento interpessoal com os alunos e suas famílias, assim como de uma rede colaborativa com outros estudantes, docentes e funcionários que os sinalizam e remetem para o GRS.

Como sensibilizar os docentes e os outros alunos?

A melhor forma de sensibilizar para a inclusão no Ensino Superior é através do próprio acesso de E-NEE à Faculdade, promovendo a diversidade e plena integração, até porque só no terreno e perante a heterogeneidade de necessidades se conseguirá uma mais efectiva identificação das adaptações a levar a cabo.

Ademais, o GRS tem procurado recordar aos docentes, por email, em especial nas épocas de avaliação, as regras decorrentes do Estatuto do E-NEE, tanto no plano geral da ULisboa como do Regulamento específico da FDUL e informá-los de acções de formação específicas, designadamente de e-learning, viradas para a educação inclusiva.

A Mostra NEE já promovida pelo GRS em colaboração com a Rede NEE da Ulisboa, com informação sobre a educação inclusiva e as barreiras que enfrentam os E-NEE, é também um instrumento de sensibilização. De salientar, em particular, os exercícios de colocar os alunos não NEE a experimentar a vivência de um colega NEE, por exemplo, percorrendo a FDUL com uma venda ou uma cadeira de rodas.

Por último, a participação no projecto INnetcampus, financiado pela Comissão Europeia, com a realização de 2 Summer Camps inclusivos com alunos nacionais e internacionais com NEE, permitiu um aprofundamento da sensibilização da comunidade escolar da FDUL, contando com a participação de docentes da FDUL e alunos de licenciatura como voluntários.

Como sensibilizar o próprio aluno?

A identificação precoce do E-NEE, o seu acompanhamento personalizado e da sua família permitem, em muitos casos, desmontar sentimentos de vergonha e estigmatização do próprio aluno, e, não apenas fazê-lo valer dos seus direitos como integrá-lo na vida académica, tanto na sua componente científica como lúdica.

Que acessibilidades faltam à Faculdade?

A FDUL tem ao longo do tempo feito um grande esforço no plano das acessibilidades. Porém, a organização dos 2 INnetcampus e o trabalho do GRS envolvendo o acompanhamento de E-NEE, a participação na Rede NEE e no Grupo de Trabalho da Freguesia de Alvalade para as Acessibilidades, permitiram identificar algumas lacunas, como ausência de WC adaptados, incluindo para docentes e funcionários, rampas demasiado inclinadas ou obstruídas.

Que acessibilidades faltam para chegar à Faculdade?

No trabalho desenvolvido no âmbito do Innetcampus e da participação na Rede NEE e no Grupo de Trabalho da Freguesia de Alvalade para as Acessibilidades, entre outros aspectos que constam de um relatório entregue à Reitoria e à Direcção da FDUL, salientem-se problemas nos transportes públicos, com falta de autocarros rebaixados ou elevador no Metro, ausência de parqueamento para carros de deficientes e de sinais sonoros ou de relevo nas passadeiras. De sublinhar ainda, a quase total ausência de alojamento universitário adaptado (e em especial, junto do campus da Cidade Universitária).

O que é que a Faculdade/GRS tem feito, ou está a fazer, no apoio a estes alunos e na sensibilização da restante comunidade Académica?

Das respostas anteriores já decorre uma panorâmica da linha de acção do trabalho da FDUL, e do GRS em particular, na questão da educação inclusiva, embora muito do esforço seja em boa parte invisível por depender de um relacionamento humano cuidado de acompanhamento e de motivação sustentada dos E-NEE, com a tentativa de desmantelamento e superação de barreiras físicas e sociais.

A ligação à Rede-NEE, à comunidade civil e a projectos inclusivos nacionais e internacionais, incluindo académicos, tem possibilitado uma aprendizagem crescente de boas práticas que se procuram replicar. Muito há, porém, que fazer, interna e externamente, para assegurar uma educação inclusiva plena, até porque como cada caso é um caso, novos desafios nos esperam. Ou seja, a inclusão é um processo sempre em construção.