ENTREVISTA AO PROFESSOR RUI LANCEIRO, SOBRE OS MOOT COURTS INTERNACIONAIS

O que o levou a ser treinador de uma equipa de Moot Court?

A minha primeira experiência como treinador de uma equipa de um Moot Court internacional surgiu logo após ter entregue a minha tese de doutoramento, ficando por isso, com mais tempo disponível. O Dr. Tiago Fidalgo de Freitas, que tinha participado no Philip C. Jessup International Law Moot Court Competition, estava a impulsionar a formação de uma equipa da nossa Faculdade. No entanto, como ele estava na organização, não podia ser treinador, pelo que falou comigo e com o Dr. Jorge Sampaio e nós assumimos essa equipa, isto em 2014.

Eu já tinha tido contacto com o Jessup durante a licenciatura, quando o Prof. Miguel Sousa Ferro me tinha convidado a integrar uma equipa enquanto aluno. Infelizmente, na altura acabei por não poder juntar-me, com bastante pena, mas fiquei logo aí com interesse pela competição. Diga-se que, nessa altura, as coisas eram mais complicadas, porque não existia um apoio institucional da Faculdade como o disponível agora. A evolução e os bons resultados destes últimos anos na participação internacional de alunos da nossa Faculdade deve muito a esses pioneiros e a todo este apoio que tem vindo a ser concedido, desde a primeira hora, em 2013 até agora, pela Direcção da Faculdade, pelo Gabinete Erasmus e o Prof. Vasco Pereira da Silva, pela AAFDL, bem como o auxílio de toda a comunidade académica. É, de facto, o resultado de um trabalho de equipa.

A minha motivação em ser treinador foi um pouco experimentar uma coisa diferente. Ser treinador permite-me trabalhar com os alunos uma série de aspetos, quer de Direito, substantivo (internacional e europeu) e processual, quer outras capacidades de investigação, expressão escrita e oral e mesmo de interação, que não seria possível abordar de outra forma. Há toda uma abordagem diferente que achei muito atrativa.

 

Qual é a relevância para um aluno em participar num moot court internacional, para o seu futuro profissional?

Os moot court têm vários benefícios para os alunos. Existe uma vertente académica de desenvolvimento do estudo de uma determinada matéria: ao resolver o caso, o aluno fica quase um especialista daquele determinado problema. Nesse âmbito, desenvolve competências de investigação aprofundada, porque implica tentar encontrar fontes de estudo e estudar jurisprudência especifica – o que o leva a aprofundar conhecimentos, no caso dos Moots internacionais, de Direito Internacional ou Europeu. Também desenvolve capacidades de escrita académica ou formal e de expressão oral de argumentos jurídicos que dificilmente desenvolveria noutro contexto. Num contexto de sala de aula, a resolução de um caso prático envolve o encontrar da solução certa para o problema em causa – o aluno acaba pôr-se colocar no lugar de juiz. Num Moot Court, o aluno coloca-se no lugar de advogado, de defensor de uma determinada posição, devendo desenvolver argumentação nesse sentido. Isto decorre do facto de os casos de Moot Court não terem uma só solução, são construídos de forma a admitir essa argumentação. O aluno treina uma série de capacidades de argumentação e treina essa outra competência que é ver os vários lados do problema. Este facto é ainda mais relevante nos Moots em que existe uma exposição oral perante um painel de juízes que faz perguntas, muitas vezes inesperadas, devendo o aluno estar preparado para dar a resposta possível. Treinamos muito isso com eles.

Assim, há o desenvolvimento de outras capacidades, extrajurídicas, (o que hoje se designa de “soft skills”) de expressão oral e escrita, bem como de se desenvencilhar perante um obstáculo inesperado. Por fim, há a vertente de experiência pessoal, em que os alunos têm que trabalhar em grupo e estabelecem contacto com equipas e colegas de outras Faculdades, nacionais ou estrangeiras, com outras experiências e com outros enquadramentos. Assim, há uma dimensão de enriquecimento pessoal, de fazer amigos e criar redes de contactos, e de lhes dar novas perspetivas sobre o mundo, em especial no caso dos Moots internacionais.

O grau da experiência depende um bocadinho do tipo de moot court que estejamos a falar. Temos moot courts ao nível da Faculdade, ao nível nacional e ao nível internacional. Alguns deles implicam a necessidade de produção de alegações escritas e discussão oral, enquanto outros são meramente de exposição oral perante um painel de juízes. Naturalmente, no caso dos moot courts internacionais há o elemento adicional de se treinar a utilização formal de uma língua estrangeira, em especial o inglês.

Tudo isso faz com que um aluno que que participa num moot court tem uma experiência ao nível de investigação e de capacidade de expressão muito desenvolvida.

Há também uma dimensão de representação da nossa Faculdade e do nosso país. Os alunos estão ali a representar-nos. A nossa Faculdade é muito boa e os nossos alunos também. O facto de participarmos nas competições, dando o nosso melhor, e de termos bons resultados, permite a projeção externa da Faculdade, nomeadamente, em mercados que não os lusófonos. Trata-se de nos afirmarmos como uma Faculdade de excelência também nestes domínios. O que também é bom para o aluno, pois a valorização da Faculdade é a valorização da sua própria licenciatura.

 

Numa competição internacional o que é que se destaca mais?  

As equipas são avaliadas avaliados por vários fatores. Cada Moot tem uma grelha de avaliação própria, que envolve não só a apreciação do grau de conhecimento dos factos do caso e da argumentação jurídica expendida, mas também do estilo de apresentação dos argumentos. As grelhas de avaliação variam conforme se trate de uma fase oral e de uma fase escrita. Assim, quer elementos de investigação e de expressão escrita ou oral formal dos conhecimentos, mas também um elemento de expressão que é avaliado.

As nossas equipas, nas competições internacionais, acabam por ter 2 handycaps, contra os quais tentamos lutar. Um deles é o factor linguístico. As equipas cuja língua materna é o inglês, numa competição internacional, estão naturalmente em vantagem em relação às nossas equipas. Por isso, é importante também treinamos com os nosso alunos o domínio da língua inglesa, até um ponto em que eles começam a pensar em inglês, se possível – o ideal é que até sonhem em inglês durante aquele período. O segundo problema que enfrentamos é o facto de a maioria destas competições, como, por exemplo, o Jessup, ser baseada em Common Law, ou seja, um sistema muito diferente do nosso. Às vezes as equipas da FDUL são acusadas ter uma visão demasiado “normativa” do Direito Internacional, de sermos “demasiado europeus”. Podemos treinar a “abordagem americana”, que envolve uma forte componente de política internacional, mas esta é uma divergência de fundo, pela própria visão que se tem do direito internacional e que não estamos preparados a abdicar. Por isso, nós temos mais ou menos noção que será muito difícil ganharmos o Jessup, porque existem estes obstáculos que são difíceis de ultrapassar.

Este segundo obstáculo é menos importante no European Law Moot Court (ELMC), que é mais “europeu”, correspondendo a uma posição mais próxima da nossa.

 

Fazem algum tipo de preparação especial, neste caso para o Jessup, sobre o regime jurídico da Common Law?

Sim, em especial na parte oral. Os alunos treinam a arguição dos seus argumentos de uma forma mais próxima daquele estilo. E também eles são treinados relativamente às expressões a usar, como o “may it please the Court”.

O European Law Moot Court, sendo europeu é mais próximo da nossa experiência, mas igualmente complicado e com o seu conjunto próprio de formalismos.

Existem outras diferenças entre o Jessup e o ELMC. Por exemplo, no Jessup quando o juiz faz perguntas o relógio não para, enquanto que no ELMC a contagem de tempo para. Isto significa que no Jessup é preciso um treino mais intensivo de gestão de tempo, do que num treino de ELMC.

Note-se que, tratando-se de Moot Courts, o estilo usado quer no Jessup quer no ELMC não é absolutamente transponível para a advocacia portuguesa – é um estilo próprio de argumentação. Nesse sentido, acaba por ser mais um treino de lógica argumentativa, um treino de argumentação formal, que sempre será útil para a sua vida profissional ou académica.

De uma forma genérica, o que acaba por ser treinado é, na parte escrita, a capacidade de investigação e a capacidade escrita de acordo com argumentos, a estrutura em termos de argumentos. Na parte oral, treinamos a transmissão um argumento e conseguir convencer o painel de juízes de que se tem razão. Isto envolve não só desenvolver a lógica argumentativa, como também questões de postura, estar à vontade no pódio, ser correcto na maneira como se dirigem aos juízes e à contra parte, por exemplo.

 

Quantas equipas é que já treinou?

Já treinei equipas de vários tipos de Moots, por isso a resposta depende um pouco do que estamos a falar. Treinei a primeira equipa do Jessup no ano lectivo de 2014/2015, o que significa que esta é a minha quinta equipa. Do European Law Moot Court só treinei duas equipas. A nível global de moot courts, incluindo os da AAFDUL e nacionais, de direito constitucional, administrativo, europeu e internacional, são mais algumas. Mas o número é pouco importante, interessa mais a experiência e a aprendizagem que se adquire.

 

Qual é o Moot Court  mais desafiante?

Depende muito das preferências pessoais do aluno, em relação às matérias, e de aquilo que espera. Entre os dois moots que tenho vindo a treinar, tenho uma relação mais antiga com a competição Jessup, mas confesso que gosto muito de Direito Europeu, por isso também gosto muito do European Law Moot Court. Sou incapaz de escolher apenas um deles.

 

Quais são os desafios e recompensas enquanto treinador?

Tenho gostado muito da experiencia de ser treinador do Jessup e do ELMC, mas o treinador não é o elemento principal nas equipas. O seu sucesso depende principalmente dos alunos que participam.

Há um grande investimento de tempo, porque temos reuniões semanais desde setembro, quando sai o caso até à altura da competição que costuma ser em Abril. O que significa uma a duas horas semanais com a equipa para ver o progresso que foi feito. Fazemos algumas interrupções pelo meio, para os alunos terem tempo de estudar para os testes e exames do primeiro semestre e um período de descanso entre o momento em que eles escrevem as alegações escritas e o início do treino oral. Mas depois há um treino mais intensivo para a parte oral.

Ao longo desse tempo, o que é mais recompensador é ver a evolução dos alunos. Desde o momento em que não sabem nada sobre o caso e sobre como o resolver, até ao ponto em que estão absolutamente em controlo da argumentação. Desse ponto de vista acabam por ficar especialistas naquele nicho que é o objeto da sua apresentação.

Como também os treinamos em termos de expressão, postura, capacidade argumentativa, há uma evolução muito gira, que permite ver os alunos a crescer em termos de postura e tornar-se profissionais.

Acabam também por se criar ligações pessoais fortes. Por exemplo, neste ano, como treinadores, no Jessup, para além de mim, inclui-se o Dr. Diogo Santana Lopes, que competiu no ano antes de eu começar a treinar e, do primeiro ano que fui treinador, outros três antigos alunos da faculdade: o Dr. Paulo Ramos, a Dra. Leonor Catela e o Dr. Diogo Conchinhas. Dessa primeira equipa que treinei também conto com o Dr. Miguel Mota Delgado como treinador do ELMC. Acaba por se gerar uma relação estreita entre as várias gerações de competidores, em que os alumni dos anos anteriores ajudam nos anos seguintes, onde não se distingue o Jessup, do European Law Moot Court, porque são todos alunos da Faculdade. Há essa “família dos moot courts” e essa relação também é muito enriquecedora.

Não posso negar que também é muito bom quando ganhamos. É muito gratificante quando temos bons resultados. O ano passado foi um ano bom, com várias vitórias. Mas uma das fases em que sofri mais foi quando chegámos à final do ELMC, no ano passado. Enquanto treinador dedicamos tempo e treinamos o máximo possível com eles, mas em última análise são eles que lá estão à frente. Nós limitamo-nos a estar na audiência a sofrer.

Assim, a posição de treinador é uma de dependência dos alunos – são eles que ganham.

 

O que procuram num aluno para fazer parte da equipa?

O regulamento da Faculdade relativo aos Moot Courts estabelece que os alunos devem ser escolhidos através de um sistema transparente, objectivo e competitivo. Dentro desse enquadramento, o sistema de escolha de alunos para o Jessup e o ELMC foi sendo desenvolvido ao longo dos anos. Uma das vantagens da participação nas competições internacionais é termos a oportunidade de ir falando com outros treinadores e aprendendo as melhores práticas de selecção, por isso fomos afinando o procedimento.

O sistema que temos hoje assenta em três momentos. Em primeiro lugar, os alunos devem inscrever-se através de um pequeno formulário on-line onde pedimos a referência sobre o ano em que estão inscritos e a nota que tiveram num conjunto de disciplinas, nomeadamente, Direito Internacional Público e Direito Europeu. A indicação do ano lectivo deve-se ao facto de tentarmos que as equipas sejam representativas dos vários anos da Faculdade. Existe uma lógica de uma geração de alunos passar o conhecimento adquirido à geração seguinte. Por outro lado, pedimos a indicação das notas para percebermos a apetência do aluno por aquelas disciplinas e os conhecimentos adquiridos, embora a nota seja apenas um dos factores a ter em conta na seleção. Não procuramos necessariamente os melhores alunos, mas os mais aptos a trabalhar bem em equipa, num contexto de competição internacional.

Depois disso, há uma primeira prova em que eles têm de argumentar, em inglês, uma determinada posição sobre um caso de um moot court de um ano anterior. Aí, a lógica é tentarmos encontrar alguém que tenha um bom nível de inglês e que demonstre capacidade de falar bem em público e de argumentar uma posição.

De seguida, os melhores classificados so convidados para uma entrevista que serve para testarmos o grau de conhecimento das matérias, as capacidades sociais e o grau de comprometimento com a competição. A participação num Moot consome muito tempo e por vezes apercebemo-nos que os alunos não têm consciência do tempo que terão de despender, que terão de sacrificar outras actividades para participar. Um Moot Court não é um passatempo nem uma ocupação de tempos livres.  É preciso capacidade de estudo e disponibilidade de tempo. Também é importante selecionar uma equipa que seja coerente em termos de representação de género e dos vários anos do curso, bem como a escolha de alunos que demonstrem ter espírito de equipa.

 

Se um aluno estiver interessado em participar nos próximos moot courts, como o pode fazer?

A nossa principal forma de divulgação é a página de Facebook Moot Courts FDUL. É lá que se divulga a abertura de candidaturas e o link para o questionário, bem como o regulamento do processo de selecção. Entre a Páscoa e o final do ano letivo costumamos fazer sessões públicas de divulgação e estamos todos disponíveis para esclarecer qualquer dúvida. No final do segundo semestre selecionamos as equipas que participarão no ano seguinte, sendo essa abertura divulgada na página que referi. O aluno deve preencher o formulário de inscrição com algumas informações como o nome, o número de aluno e para que moot court se quer inscrever. Após a inscrição recebe um email com a indicação do dia da primeira prova e o caso que deve apresentar. Depois, quem se inscrever recebe o caso e é marcada a primeira prova, onde vão demonstrar a sua capacidade de argumentação relativamente aquele caso e posteriormente a entrevista. Segue-se a entrevista que já referi.

Os alunos que estejam com dúvidas sobre se devem participar ou com curiosidade podem contactar qualquer um dos treinadores ou mesmo, atrevo-me a dizer, qualquer um dos nossos alumni, e teremos todo o gosto em ajudar e esclarecer.

Acho, sobretudo, que os alunos que desejem ter uma experiencia diferente de contacto com as disciplinas jurídicas e que queiram desenvolver outras capacidades (de investigação, de argumentação) devem dar uma vista de olhos aos vários Moots que existem e interessar-se por participar.

 

No formulário também se pergunta se ficam no ano seguinte. Os alunos na fase letiva de mestrado podem participar, mas outros não, sobretudo pessoas que já não sejam alunos.

Portanto, é preciso: ser aluno da faculdade no ano seguinte, ter algum conhecimento de inglês, alguma capacidade de expressão oral, algum gosto por direito internacional e direito da união europeia e é preciso ter capacidade de socialização.